Pelo menos 210 candidatos a prefeito, vice ou
vereador nos municípios de Minas Gerais receberam parcelas do Auxílio
Emergencial mesmo tendo declarado um patrimônio superior a R$ 1 milhão. Muitos
deles podem ter sido alvo de fraudes, mas apenas quatro haviam devolvido o
dinheiro ao governo federal até este levantamento.
Os valores individuais chegaram a R$ 4.800 no
acumulado entre abril e agosto. A investigação foi realizada por O TEMPO a
partir dos 81,4 mil registros apresentados à Justiça Eleitoral em Minas e dos
23,6 milhões de pagamentos do programa social efetuados no Estado pela Caixa
Econômica.
No topo da lista aparece o produtor agropecuário
Geraldo Odilon de Mirada, o Dilonzinho (PL). Postulante a uma cadeira na Câmara
de Virginópolis, no Rio Doce, ele possui R$ 5,8 milhões declarados entre
fazendas e veículos e, ainda assim, recebeu quatro parcelas do Auxílio no valor
de R$ 600 cada.
“Uma sobrinha usou meu CPF sem eu saber e pegou
esse dinheiro porque estava passando dificuldade. Se eu não fosse candidato,
provavelmente nunca iria saber disso. Ela mesma reconheceu, pediu desculpas e
se propôs a devolver. Meus advogados já estão resolvendo”, declarou.
Miranda acredita ter havido falha do governo.
“Não era nem para aprovarem esse pagamento. O erro já vem lá de cima. Muita gente
está pegando o dinheiro sem precisar ou usando o nome de terceiros”, enfatizou.
Outros concorrentes consultados pela reportagem
reagiram com surpresa, como Roberto Carlos de Oliveira, o Robertinho da Garagem
(PMB), candidato a vereador em São Gotardo, no Triângulo. Dono de R$ 4,5
milhões em fazendas e imóveis, ele aparece na relação de beneficiários do
Auxílio com R$ 1.200 divididos em duas parcelas. O comerciante, porém, garante
não ter solicitado e nem recebido esse dinheiro.
“Tem alguma coisa errada. Eu mesmo não vi, nem
pus a mão em nada. Será que cai automático? Tem como saber em que conta caiu o
dinheiro?”, indagou Robertinho, prometendo averiguar a situação. “Vou procurar
saber. Não pode acontecer isso, não. Graças a Deus, não preciso”, concluiu.
Possuir um grande patrimônio, no entanto, não
significa contar com uma renda proveniente dele. Há também aqueles que
reconhecem ter solicitado o benefício para ajudar nas contas durante a
pandemia, como Juliana Baratão (PSL), candidata a vereadora em Viçosa, na Zona
da Mata.
Ela explica que se divorciou há seis anos, mas o
processo de separação ainda não foi concluído e, por isso, os bens do ex-marido
continuam constando no nome dela. “Recomecei minha vida do zero. Trabalho e
pago aluguel. Declarei tudo certinho, como manda a Justiça, porque prezo pela
transparência, mas não usufruo de nada, nada”, diz a comerciante.
Completam o “Top 5” Lúcia Menescal (MDB), dona de
um patrimônio de R$ 5,4 milhões, e Antonio Carlos da Silva, o Ferrugem
(Solidariedade), que declarou R$ 4,5 milhões em bens. Postulantes em Mar de
Espanha (Zona da Mata) e Riachinho (Norte de Minas), respectivamente, eles não
responderam os contatos da reportagem até esta publicação.
Ao todo, 25.541 candidatos mineiros receberam ao
menos uma parcela do Auxílio Emergencial entre abril e agosto. Metade deles,
contudo, declarou um patrimônio inferior a R$ 80 mil. Todas essas informações
são públicas e estão disponíveis nos sistemas de divulgação do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) e da Controladoria Geral da União (CGU).
Devoluções
De todos os mais de 25 mil candidatos
beneficiados pelo Auxílio Emergencial em Minas, apenas 82 devolveram o dinheiro
até esta publicação.
Entre os 210 detentores de patrimônios
milionários, os únicos estornos haviam sido os realizados por Ângelo Santoro
(PSB), de Lambari, Altair Pereira (Patriota), de Soledade de Minas, Rodrigo
Passos (Podemos), de Lagoa Santa, e Adolfo Brito, o Dofim (PDT), candidato a
vice-prefeito em São Sebastião do Anta.
“Eu podia até ter feito uma 'média' com a sociedade,
por vaidade, mas não tinha motivo. Tenho uma vida já estabilizada, com a minha
família, com a minha vida profissional. Não preciso disso. Sou cristão e tenho
meus valores”, comentou Santoro, que recebeu R$ 1.200 e retornou o dinheiro
ainda em julho. Os demais haviam sido beneficiados com o valor mínimo de R$
600.
Como mostram os números, o ato do desapego foi
mais frequente entre os menos abastados. Três candidatas, por exemplo,
devolveram as quantias ao governo mesmo tendo declarado patrimônios bem mais
modestos, inferiores a R$ 2 mil. São elas: Kézia Valente (PDT), de Orizânia,
Nilma Ribeiro (PL), de Jaraguaçu, e Lília Caetano (Patriota), de Dionísio.
Somadas, as 82 devoluções representam R$ 89,4 mil
em recursos recuperados pelo governo. Isso significa 0,14% do total de
aproximadamente R$ 63,1 milhões pagos em benefícios aos candidatos mineiros.
Fiscalização
Para se enquadrar nos critérios do Auxílio
Emergencial, o cidadão precisa ser autônomo ou informal, ou estar desempregado,
e ter uma renda familiar inferior a meio salário mínimo por pessoa (R$ 522) ou
três no total (R$ 3.135). Além disso, não pode ter recebido rendimentos
tributáveis acima de R$ 28,5 mil no ano fiscal de 2018.
Procurada, a Caixa informou apenas que a seleção
dos beneficiários é de responsabilidade do Ministério da Cidadania. A pasta,
por sua vez, ressaltou que trabalha em parceria com a CGU e com o Tribunal de
Contas da União (TCU), entre outros órgãos, para garantir a máxima
transparência do programa.
“Qualquer indício de ilegalidade é imediatamente
informado à Polícia Federal. A CGU e a Advocacia-Geral da União (AGU) também
estão atuando na fiscalização e no ajuizamento de ações. Esse trabalho conjunto
impactou no índice de inconformidade (suspeitas de fraudes), que é de apenas
0,44%”, diz a nota.
Ainda segundo o ministério, o governo federal já recuperou, até o momento, R$ 174,5 milhões pagos a pessoas que não se enquadravam nos critérios do Auxílio.
Fonte: O Tempo

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